Reportagem “Access All Areas” do concerto dos Blind Zero – 20 Anos em Acustico, no Teatro da Trindade, Lisboa, 21 de Fevereiro de 2015.
Nascido em Lisboa em 1867, o Teatro da Trindade é uma obra de requinte encrustado no elo Chiado-Bairro Alto. É um elemento fundamental na obra do seu admirador, Eça de Queirós, utilizando-o na definição da sociedade lisboeta (“A tragédia da Rua das Flores”).
Ainda hoje, sente-se o esplendor do passado, basta observar o vistoso teto, pintado por Jorge Procópio iluminado por um magnifico lustre que nos faz sonhar com os lendários bailes de máscaras.
Acredito que a música vive dentro de um “ecossistema” fechado, onde a envolvente, espaço, público e o momento social, somada à música, cria resultados aleatórios e combinações improváveis que por vezes são mágicas.
A noite de 21 de Fevereiro de 2015, irá ficar a flutuar no mar da memória, daqueles que tudo trocaram pelo chamamento dos homens do Porto, para ouvir 20 anos de uma vida traduzida em acordes maiores e menores.
O desfilar de canções, ora vestidas de gala, ora vestidas de uniforme simplista criou uma dinâmica de proximidade entre a memória do passado e o presente. A celebração está para além do palco, pois as canções sempre tiveram a capacidade de se auto transferirem para o nosso hard drive cerebral, criando a playlist da nossa vida.
O epicentro das emoções acontece quando Jorge Palma cruza o secular palco da Trindade para uma dupla de canções á flor da pele. Pegar na emblemática canção “Senhora da Solidão”, a recolorir e a entregar ao Mestre Jorge Palma, é o risco assumido de deixar cair as cartas ou de maravilhar, é tão simples como o código binário, zero ou um, erro ou sucesso. A senhora ganha uma nova vida durante irrepetíveis 4 minutos, onde a solidão arrepia mas dá intenso conforto. Depois segue “Hapiness is easy” onde as vozes criam uma conversa rendilhada sobre a sociedade de consumo.
De volta a sexteto, do baú saem memorias e recordações ora imaculadas como se fossem de cristal, ora em avançadas mutações genéticas, podendo apenas ser reconhecidas por detalhes intemporais. São 20 anos de músicas que refletem diferentes caras da mesma moeda, associadas a histórias de quem vive cego por amor à música.
No fim as vozes do Teatro Trindade estão roucas, mas felizes no regresso a casa. A noite passa a fazer parte do imaginário e um dia talvez, esta história seja contada. “Era uma vez, no Trindade, os Blind Zero… ”.
Texto de Vasco Espinheira (Blind Zero)
Podem ver todas as fotos do concerto aqui: Concerto
Nota Final: Não posso deixar passar a oportunidade, mais uma vez, para agradecer a simpatia, a abertura e a hospitalidade dos Blind Zero – Miguel Guedes, Pedro, Nuxo, Vasco, Bruno e Miguel – por me receberem no seu palco, no seu mundo e por me terem permitido contar esta história.
Ainda um especial agradecimento à querida e incansável Joana Brandão que foi na minha conversa e aceitou o desafio, em conjunto com os seus Blind Zero, de “ilustrarem” esta história fotográfica com as suas próprias palavras. Um grande bem-haja a todos.